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LAY, LADY, LAY, UMA BALADA QUE TEMPO NÃO LEVOU

Algumas verdades são escandalosamente certas para ela e para tantas outras. O gosto amargo das noites indormidas sela os dias. A mãe que não vem mais cobrir. A irmã na cidade luz. A sobrinha que não vê há dois anos... Estranhamente com a chegada do “ano novo” esse desejar por dias melhores perpassa o gosto do doce que azedou e é como se pudesse ouvir as sereias cantarem umas para outras como na canção de Eliot. Lembra de amores que teve. Do riso dos amigos. Pausa longa. Mulheres sobrevivem aos homens. Não quero dizer que ela não goste deles. Silêncio longo. Não. Ela adora os homens. Melhor: ainda não conseguiu se livrar por completo deles. Algumas amigas dizem que com o tempo será diferente, mas este tempo teima em não abrandar sua temperatura. Gosta do cheiro. De como olham. Gosta principalmente de como mexem suas mãos. *O tempo se foi. Há tempos que eu já desisti. Dos planos daquele assalto. E de versos retos, corretos. O resto da paixão, reguei... E regava com muito suor e principalmente lágrimas. Mas ela jamais viveria com um sobre o mesmo teto. Inconcebível. Em grande parte por causa dela que lê poemas, escuta rock roll ao menos sete dias. Posso dizer que é uma náufraga como eu. Sobrevivemos a perda de amores, mas não sobrevivemos aos incautos que nos acusam de assédio, a ogros que aparecem na janela depois das 6 da manhã, à risotos que esperam a noite toda, ou parte dela. A estes não sobrevivemos pois eles nem chegaram ao primeiro tempo, não fizeram um gol e não é por terem rolado no tapete que se tornaram alguém. E ela nunca quis ter um tapete pois eles teimam em não voar. Olha que bonito: nunca voltaram intrépidos segurando a mão um do outro depois de uma balada regada a Lenny Kravitz. Eu não sei dançar (é o que quase todos dizem), mas você já andou de bicicleta? Quase todos andaram. Então só mexe seu corpo juntoaomeu. E naquela passagem, eles dançaramdançaramdançaram, não perceberam os fogos, os sons ensurdecedores dos rojões. Não tinha mais amargo. Por um tempo ainda ouviam Boby Dylan “Lay, lady,lay". A música fora gravada várias vezes no pen drive. Ela não recorda quem gravou, se ele ou ela. Pode ter sido ele. Pode ter sido ela. Quando se conheceram foi o gosto por Dylan que os aproximou. Isso lembra muito bem. E essa foi a trilha. Não sabe dizer quanto tempo ficaram cabeça no ombro, os descompassos do passos acompanhando as batidas do coração. LayladylayLadylaylayLadylayLadylay. Pausa. Alguns anos passaram, mas ela nunca esqueceu o cheiro do cabelo comprido e molhado, o arrepio na nuca, o transe do movimento LadyLayladylayLadylaylayLadylayLadylay, e aquele silêncio ensurdecedor do amor que esteve entre eles. E já não sabia se era meia-noite ou meio-dia. Se beberam do orvalho antes da chegada da manhã. Se mergulharam no mar Egeu. Se tristes ou feleizes. Pausa. 10,09,08,07,06,05,04, 03, 02, 01 e se foram os refrões, os ferimentos de poesia, já não buscavam refúgio em hotéis baratos. Cicatrizadas todas as dores enferrujadas se fizeram. Não houve espaço para mais nada além do encantamento. Estavam tatuados um no outro. Feliz ano novo, Lay, lady, lay.


*versos Telhado de Paris de Nei Lisboa


Chris Vianna




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